Mar em alerta amarelo

Por Joaquim Magalhães de Castro

Durante o fim-de-semana as vagas aumentaram consideravelmente. Sente-se agora, e bem, o baloiçar da proa para a ré, o ranger das madeiras e o adornar da barca para bombordo, o que nos obriga a caminhar com mais cuidado e a meter a mão às cordas que encontramos pela frente.

Devido a esta forte ondulação, ontem à tarde não houve jogo de futebol de convés, mas hoje o torneio do Índico retoma o seu rumo com os Capa-Pichotas a medir forças com os Barrigudos.

Forte ondulação é sinal de enjoo. Que o diga o fotógrafo de bordo Guta de Carvalho que tomou o pequeno-almoço e logo o vomitou. Não teve outra alternativa se não passar o resto do dia sem comer. No que me diz respeito, apenas sinto um vazio na cabeça, como se tivesse uma forte quebra de tensão arterial, e uma grande sonolência, sintomas normais em condições de navegação como esta e que consigo quebrar com algumas simples buchas entre as refeições.

Olho o correr das vagas a partir da vigia da câmara dos cadetes femininos, onde eu e o Guta estamos alojados, em dois beliches junto aos chuveiros e às caixas com folhetos informativos do Turismo e da Marinha, o que resta do material promocional, e constato que agora as ondas batem no vidro com alguma violência.

No altifalante ouve-se a chamada para o primeiro exercício do dia. “Exercício, exercício, exercício. Embarcação suspeita a quatro mil jardas. Alerta vermelho.” Num instante posicionam-se à ré do tombadilho os oito fuzileiros que asseguram a defesa de Sagres em caso de ataque pirata, com o apoio de um pequeno grupo de marinheiros preparados para o efeito. Têm os seus nomes escritos numa fita adesiva branca colada em torno do capacete verde. Nomes como Dantas, Mendonça, ou então nomes de guerra como Rabbit, Coruja ou Falcão.

Findo o exercício, o primeiro-tenente Melo de Melo, sempre solícito, conduz-me à cabina de comando e volta a mostrar-me o mapa com a rota da viagem. No monitor estão desenhadas as curvas com a indicação da profundidade das águas nesta zona. Umas indicam três e quatro mil metros, outras não chegam aos mil metros. Enfim, buracos marinhos que não passam de montanhas viradas do avesso.

Num visor ao lado vem indicada a rota inicialmente traçada, a velocidade em nós e a previsão de chegada. Segundo essas coordenadas, e se seguirmos a velocidade actual, entraremos no canal de Suez a 31 de Novembro. Mas não é essa a intenção. Está programado aportarmos a Alexandria a 6 de Dezembro próximo, daí que se preveja um abrandamento da velocidade.

“Navegamos com uns quatro dias de avanço”, informa o tenente Melo. Os indicadores dos radares, da vante e da ré, ocupam um círculo azul com um traço vermelho que sai de um amontoado de pontos amarelos. Dentro desse círculo, outros pontos minúsculos acendem-se e apagam-se, fazendo lembrar as estrelas numa daquelas representações do globo celeste.

“Acabámos de ser informados que mais um navio foi atacado por piratas, e não foi muito longe daqui”, diz. E para realçar o que acaba de dizer, passa-me para as mãos um caderno plastificado com algumas fotos a preto e branco de diversas embarcações. “São os barcos dos piratas já identificados. Trazem a bordo ou a reboque os botes rápidos utilizados nos actos de pirataria.” No verso dos cartões estão o nome do barco, as suas características, os seus proprietários (quando conhecidos) e a origem, pois trata-se de barcos furtados. Pelo que vejo, há que estar particularmente atentos às embarcações repletas de bidões e a todos os barcos de pesca, mesmo aqueles com aspecto inofensivo.

Os métodos utilizados pelos piratas de hoje são o da abordagem pura e dura, com ganchos e cordas, como se fazia antigamente. A diferença está nas armas que utilizam e o seu poder destrutivo.

“Eles que venham, que nós cá os esperamos”, atira o sargento X, o único snipper a bordo da Sagres, membro do Destacamento de Acções Especiais (DAE). Empunhando uma sofisticada espingarda de assalto HK 36, equipado a rigor, camuflado, capacete, joelheiras, binóculos, óculos de visão nocturna, colete à prova de bala, pistola semi-automática Glock à cintura, mantém a guarda no corredor de acesso ao tombadilho. Atrás dele está o seu colega, o cabo Y, o outro DAE a bordo.

Para mim, estes seres musculados remetem-me para os filmes do Arnold Schwarzenegger. Mas isto não é cinema. Sinto que, caso seja necessário, eles não hesitarão um segundo. “Em situações de emergência, não pensamos, agimos. São eles ou nós”, atira o sargento X.

E a verdade é que, há que admiti-lo, todos nos sentimos mais seguros com a sua presença a bordo.

Fonte: http://pontofinalmacau.wordpress.com/2010/11/22/mar-em-alerta-amarelo/ (22/11/2010)

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